Especial dia dos namorados 2023 - Amor à última vista

 


Amor à última vista

 

O meu nome é Adam, tenho vinte e um anos e tinha acabado de arranjar o meu primeiro emprego, o que veio abanar a minha vida pacata, uma vida aborrecida aos olhos da maioria das pessoas, muito provavelmente.
Ia sair de casa dos meus pais, tinha encontrado uma casa na cidade onde ia trabalhar. Estava naquela fase das mudanças em que é suposto escolher o que queremos levar conosco e o que deitamos fora. Tive uma boa infância, mas não havia nada a que eu estivesse especialmente apegado, o que fez com que a caixa com as coisas para deitar fora estivesse bastante cheia para desespero da minha mãe que queria manter quase tudo, estão a perceber quem é a acumuladora lá de casa, não é?
Depois de muita insistência da minha mãe, revia uma caixa com coisas da escola quando me deparei com uma foto de mim e de uma velha amiga, a Allie. Era da minha turma e passávamos as férias de verão na praia. Ao ver a sua cara, fui atacado por memórias que já havia enterrado, pensei há quanto tempo não nos víamos, porque é que tínhamos parado de falar? Já nem me lembrava, talvez uma estupida discussão de adolescentes.
Guardei a fotografia no bolso das calças e continuei a minha tarefa.
Duas semanas haviam passado e já estava (mais ou menos) estabilizado na minha nova casa apesar de comer pratos pré-aquecidos a todas as refeições. Cozinhar não era a minha especialidade e acho que herdei os “dotes culinários” da Dona Raquel, porque lá em casa, sempre que recebíamos visitas, era o meu pai que tratava de tudo. Havia um acordo tácito entre a Dona Raquel e o Senhor John. Ele cozinhava e ela arrumava a cozinha. Muitas vezes, penso que o sucesso do casamento dos meus pais se deve a este tipo de coisas.
O trabalho estava a ser bastante difícil, ainda era tratado como o gajo novo que não sabia fazer nada, chegava a casa estafado, comia, via uma série na cama e dormia, era este o meu novo quotidiano.
Depois dos meus pais me moerem o juízo um milhão de vezes (basicamente, cada vez que ligávamos por “teams” e a minha mãe me dizia que a minha casa parecia uma pocilga) lá decidi tirar um dia para limpar tudo pela primeira vez e quando estava a pôr a roupa na máquina de lavar deparei-me com a foto da Allie no chão. Na minha mente de hopeless romantic pensei que aquilo podia ser um sinal, devia ligar-lhe? Não sei, passaram tantos anos.
Esse pensamento esteve na minha cabeça por semanas, talvez fosse uma obsessão. Serei um gajo obcecado?
A tomar café pensava nisso, a trabalhar pensava nisso, era um perfeccionista, antes de fazer algo tinha de pensar um milhão de vezes, mas para além de um perfeccionista, também era pessimista, e se ela não se lembrasse de mim, ou pior, e se não quisesse falar comigo? Talvez estivesse casada com um rancho de filhos? Estão a ver as cenas que me passam pela cabeça?
Farto da rotina procurei o seu nome nas redes sociais e encontrei-a, não tinha mudado, olhei para o monitor com o estômago às voltas, ganhei coragem não sei de onde e mandei-lhe uma mensagem. Arrependi-me logo, mas o mal estava feito. Como é que tinha sido capaz? Ainda estou para saber.
Atirei o telemóvel para a cama sem acreditar o que tinha acabado de fazer, passaram-me mil cenários pela cabeça e em nenhum deles a coisa acabava bem.
Sem conseguir voltar a pegar no telemóvel equipei-me e fui fazer uma caminhada.
“Porque é que tiveste de lhe mandar mensagem? Estupido! Estupido!” Pensei.
Como podia uma simples mensagem causar tanto stress?
A caminhada ajudou-me a desanuviar e quando cheguei à porta de casa já estava um pouco mais calmo.
Não consegui resistir e mal entrei olhei para o telemóvel que estava em cima da cama a piscar uma luzinha verde.
Uma notificação, seria ela? A minha mente encontrava-se num paradoxo, por um lado, desejava que fosse ela, mas por outro lado queria ligar o telemóvel e ver uma simples atualização da meteorologia ou das notícias.
Levei a mão até ao telemóvel, um movimento tão simples, tão rápido que fazia tantas vezes, mas que desta vez pareceu demorar uma eternidade.
Inspirei bem fundo.
Era ela! O meu coração disparou ao ponto de me sentir zonzo. A mensagem dizia que estava feliz por ter notícias minhas e que se perguntava muitas vezes como eu estaria.
Nem acredito, tinha corrido bem! Passámos horas a trocar mensagens, parecia que não tinha passado tempo nenhum, falávamos de todas as pequenas trivialidades, de tudo o que tinha acontecido nos últimos anos, já não me sentia assim tão feliz há muito tempo.
Infelizmente, tinha trabalho no dia a seguir e tive de pôr um travão à nossa conversa.
No dia seguinte, acordei com uma energia renovada, despachei-me e entrei no carro. Antes de o ligar checkei o telemóvel e vi uma mensagem da Allie, não podia acreditar, ela vivia numa cidade aqui perto e queria encontrar-se comigo no domingo para jantar. Os meus dedos dedilharam mais rápido do que o meu pensamento e aceitei.
O sol parecia mais brilhante, no trabalho nem as reclamações dos meus colegas me afetaram. Provavelmente, já perceberam que eu gostava da Allie mais do que é suposto gostar de uma amiga, sempre que me lembrava da cara dela os meus olhos brilhavam e sempre que falavam dela eu sorria, nunca tive coragem para lhe dizer isto, mas sempre o senti, desde o dia que a vi, era tão linda, quase ficava sem fala.
A semana passou a correr e domingo chegou.
Geralmente era bastante prático, mas não sabia o que devia vestir, devia ir com um estilo casual ou algo mais formal? Foi o dia de usar todos os cremes esfoliantes e de hidratação que tinha em casa. O nervosismo penetrava a minha pele, onde está a nossa confiança quando precisamos dela?
Quando cheguei ela ainda não estava, então sentei-me, será que ela não ia aparecer? Já passavam cinco minutos da hora que tínhamos marcado e já não me mandava nenhuma mensagem há trinta minutos. Calma Adam, não sejas paranoico, ainda só passaram cinco minutos.
O barulho de saltos altos começou a ecoar no chão de madeira, o meu coração acelerou, era ela, estava na mesma, os seus olhos azuis ainda eram da imensidão de um oceano e ainda me hipnotizava com os seus lindos cabelos dourados. Não conseguia parar de sorrir, era como se ela fosse a única pessoa na sala, a única pessoa no mundo, a única coisa que interessava.
Ela sorriu de volta a passar a mão pelo cabelo suavemente, conhecia-a suficientemente bem para saber que aquilo queria dizer que estava nervosa, era bom saber que não era o único.
O jantar foi perfeito, falamos dos velhos tempos, foi tão nostálgico, rimo-nos juntos das parvoíces que fazíamos, lembrei-me de quanto adorava ouvi-la rir com aquele pequeno ronco adorável.
Já sentado no carro tentei lembrar-me de uma noite como esta e não encontrei nenhuma.
- “Ei Adam.” Disse ao bater-me no vidro do carro.
Sai do carro “Então?”.
- “Tenho uma pergunta para ti?”
- “Quando éramos miúdos, gostavas mesmo de mim ou éramos só amigos?”
Já estava farto de ser cobarde, era agora que lhe dizia a verdade e sabia a maneira ideal para o fazer. Coloquei a mão atrás do pescoço dela, puxei-a para mim e fiz o que devia ter feito há muito tempo, beijei-a, beijei a Allie. Os seus lábios eram tão suaves, durante aqueles segundos mágicos esqueci-me de tudo.
Quando parei partilhamos um olhar.
- “Estava a ver que não.” Disse ao beijar-me de volta.
Pensei que era impossível a noite ficar melhor, mas foi exatamente o que aconteceu, a Allie veio para casa comigo, não conseguia acreditar, parecia um sonho.
O alarme das oito da manhã acordou-me em sobressalto, abri os olhos lentamente e vi o corpo nu da Allie na cama, passei-lhe a mão pelas coxas, era como tocar numa deusa, ou numa nuvem.
- “Onde vais Adam?” Disse sonolenta.
- “Tou atrasado para o trabalho.” Sussurrei para não a perturbar.
- “Ah, desculpa, queres que eu saia?”
- “Não, fica o tempo que quiseres, eu volto às seis, mas se quiseres sair tens uma chave suplente na cómoda.”
Na autoestrada a toda a velocidade ainda não acreditava que aquilo era realidade, tinha passado a noite com a Allie, o meu primeiro e único amor, talvez finais felizes fossem mesmo reais.
Nesse mesmo dia ela surpreendeu-me e fomos almoçar durante a minha pausa, a seguir vieram muitos encontros até que começamos a namorar, tinha uma casa livre e ela não tinha nada a prende-la na sua cidade, não demorou muito até se mudar para viver comigo, tudo corria de feição, eu consegui uma promoção e ela também conseguiu o seu emprego de sonho como policia. A nossa vida estava estável e quando fiz a grande pergunta ela disse que sim, pensei que esse fosse ser o dia mais feliz da minha vida, mas foi ultrapassado uns anos depois quando nasceu o nosso primeiro filho, e novamente quando tivemos uma filha.
A minha vida era perfeita e posso dizer com certeza que não mudava nada.
- “Querido, é a tua vez de lhes mudar as fraldas.”
- “A caminho.”
Ela era tão boa mãe como era esposa, quando voltei ela já estava a dormir, andava exausta. Agarrei-me a ela e segui a sua deixa.
Acordei na manhã seguinte numa cama vazia.
- “Allie?! Allie?!”
Que raio, não estava na nossa casa, estava na minha casa de solteiro onde nos juntamos pela primeira vez antes de casarmos, de termos os nossos filhos.
Olhei para o telemóvel, ainda era 2018? Impossível, então tudo não tinha passado de um sonho? O nosso reencontro? O nosso casamento? Os nossos filhos? Mas parecia tão real, não pode ter sido apenas um sonho!  Recusava-me a acreditar naquilo!
Mas…mas…talvez fosse uma premonição, talvez se eu lhe mandasse uma mensagem o sonho se concretizasse.
Peguei no telemóvel, recebi uma notificação de uma app de noticias, relatava um acidente enorme numa cidade perto da minha, havia quatro mortes e um ferido grave e o ferido grave era uma rapariga nos seus vinte e tal anos que se chamava…Allie…
Deixei o trabalho e fui até ao hospital onde ela se encontrava.
- “Onde está a Allie, Allie Shaw?!” Gritei no meio de receção.
- “Allie Shaw, é um familiar?”
- “Irmão.” Menti para a poder ver.
- “Ela está no quarto 31D. Mas aviso-o já, o prognóstico não é positivo.”
Corri até ao 31D onde vi a sua cara de anjo danificada com cortes e queimaduras e o seu corpo tapado com uma manta.
- “A-adam?” Disse surpreendida.
- “O que se passou Allie?” Disse com lágrimas nos olhos.
Ela riu-se antes de começar a tossir com as dores “Tive um sonho fantástico, um sonho contigo. Lembrei-me de quantas saudades tinha tuas, estava a caminho de te ver, nem acredito que estás aqui.” Estendeu-me a sua mão que eu agarrei.
Os seus olhos começaram a fechar e o monitor ao qual ela estava ligada por uns tubos começou a fazer um barulho que não parecia nada bom.
- “Allie? Allie? Agora estamos juntos, por favor fica comigo! Peço-te!”
Médicos entraram a correr e olharam para mim com pena a abanar a cabeça, sabia exatamente o que aquilo queria dizer, ajoelhei-me a chorar com a noção que tinha perdido o amor da minha vida.



   


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